Vasco

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terça-feira, 17 de junho de 2014

22 - COPA DO MUNDO --1962

Na Copa de 1962, Mané Garrincha só não driblou cachorro.  No dia 21 de março de 1960, o Chile foi sacudido por um violento terremoto, que atingiu 400 km do seu território, destruindo, desabrigando e matando. A FIFA chegou a trabalhar a possibilidade de transferir o Mundial para um outro país. Mas os chilenos cumpriram tudo o que se propuseram para aquela Copa e, em 30 de maio, a sua seleção pisava no gramado do Estádio Nacional, em Santiago, para abrir a competição, enfrentado e vencendo a Suíça, por 3 x 1.   De volta à América do Sul, a Copa do Mundo do Chile seguiu a fórmula da anterior. De novo, só a classificação, na primeira fase, do time com melhor saldo de gols, em caso de empate. Foi a Copa da consagração de Mané Garrincha (foto), dentro de uma Seleção Brasileira quatro anos mais velha.
 Os titulares canarinhos eram os mesmos de 1958, exceto Orlando –  estava jogando pelo argentino Boca Juniors e, na época, só se convocava quem atuava no país –, e Bellini – o capitão na Suécia não agradara ao técnico Aymoré Moreira, nas vitórias sobre o Paraguai – 2 x 0, em 30.04.1961, e 3 x 2, em 03.05.61, pela Taça Osvaldo Cruz. Em 7 de maio, nos 2 x 1, sobre o Chile, pela Taça O´Higgens, Aymoré – ganhara a vaga de treinador devido aos problemas de saúde de Vicente Feola – entregou a zaga central a Mauro, que a segurou para o jogo seguinte – Brasil 1 x 0, em 11.05.1961. Abatido pela barração, Bellini refutou um jornalista que o chamou de capitão, dizendo que, na reserva, não sentia mais prazer em estar na Seleção. Pegou mal, muito mal. Mas ele, ainda, foi titular e capitão em dois jogos pela Taça Osvaldo Cruz, de 1962, nas duas goleadas – 6 x 0, em 21.04, e 4 x 0, em 24.04, sobre o Paraguai – e em um amistoso – 2 x 1, em 06.05, contra Portugal –, mas, dali por diante, só deu Mauro na zaga central.
 Além da troca de Feola, por Aymoré, outra mudança foi na comissão técnica. Saiu o psicólogo João Carvalhaes que, em 58, considerara Garrincha maluco, entrando Ataíde Ribeiro em seu lugar.
ESTREIA NA ROTA DO BI – Foi em 30 de maio, no Estádio Sausalito, em Viña del Mar. Sem Bellini e Orlando, a dupla de zaga, era o mesmo time da final da Copa passada: Gylmar; Djalma Santos, Mauro, Zózimo e Nilton Santos; Zito e Didi; Garrincha, Vavá Pelé e Zagallo. De início, nervoso e desentrosado, os brasileiros não deram pinta de futuros campeões, no primeiro tempo. Se bem que reclamaram um pênalti, claro, sofrido por Zózimo.
Veio o segundo tempo e, aos 11 minutos, Zagallo abriu o caminho para a nova conquista da Taça Jules Rimet. Foi num lance em que Garrincha se livrou de Najera e lançou Pelé, que deu um toque na bola, à meia-altura, para o Lobo (Mário Jorge Lobo Zagallo) morder, cabeceando: 1 x 0. Aos 27, Pelé dividiu um lance com três mexicanos e fez o seu único gol naquele Mundial: Brasil 2 x 0, sobre Carbajal; Del Muro,Villegas, Cardenas e Sepúlveda; Najera e Del Alguilla; Reyes, Hernandez, Jasso e Diaz. O jogo foi assistido por 10.484 pagantes e apitado pelo suiço Gottfried Dienst.
  Em 2 de junho, no mesmo estádio, o Brasil ficou no 0 x 0, com a Tcheco-Eslováquia, e perdeu Pelé (foto), pelo restante da Copa, devido a uma dor na virilha, já sentida na partida contar os mexicanos. Era uma distensão muscular, que atingira o clímax quando o camisa 10, aos 25 minutos, chutara a bola contra um poste defendido pelo goleiro Schroiff.
  Antes daquele jogo, um incidente: Aymoré Moreira tentara devolver a zaga central à Bellini, tendo em vista que Mauro andara vacilão na estreia. Mauro reagiu ameaçando ir embora, caso fosse barrado, e o time terminou repetido no segundo jogo. Os tchecoseslovacos foram: Schroiff; Lala, Popluhar, Pluskal e Novakl; Stibranyi e Masopust; Schrerer, Kvanask, Adamec e Jelinek. O francês Pierre Schwint apitou a partida, assistida por 14.903 pagantes.
DOMANDO A FÚRIA - Era uma tarde de quarta-feira, 6 de junho de 1962, e os brasileiros iam ao estádio Sausalito, em Viña Del Mar, tentar a classificação à fase seguinte do Mundial-62, na última rodada das otiavas-de-final. Sem o contundido Pelé, o substituto Amarildo pisava no gramado, com os nervos à flor da pele. Treinados por Helenio Herrera, os espanhóis rolaram a bola bonito, com as suas principais peças se encaixando bem. A tensão nervosa levava o time canarinho a falhar muito. E não de outra: aos 35 minutos do primeiro tempo, Adelardo fez 1 x 0 para a “Fúria”.
 Muito reclamão contra arbitragens, em Copas anteriores, naquele jogo o Brasil se deu bem, Nilton Santos fez um penal sobre Collar, deu um passo à frente e o árbitro não marcou, além, de anular um gol, de bicicleta, de Peiró, alegando jogo perigoso. Isso todo quando os espanhóis venciam, por 1 x 0
  No segundo tempo, os brasileiros se acalmaram e melhoraram o rendimento. Aos 27 minutos, Zagallo municiou Amarildo, seu colega de ataque botafoguense, e o “Possesso“ chutou, sem chance de defesa, para o goleiro espanhol Arquistain. Aos 41, quem lançou foi outro alvinegro, Garrincha. A bola saiu da linha de fundo e Amarildo subiu para cabecear, entre vários adversários. Era a virada canarinha, que provocou invasão de campo pela torcida verde-e-amarela, o que jamais havia ocorrido em uma Copa do Mundo.
 Vaga garantida nas quartas-de-final, Amarildo (foto) teve uma crise de choro. Gritava: “Vencemos! Vencemos!” Depois, ganhou um beijo, de Pelé, no vestiário. Afinal, a ausência do "Rei" criara um ambiente de muita expectativa para o jogo, além dar um bom “handicap” aos espanhois.
O chileno Sérgio Bustamante – auxiliado pelo uruguaio Estaben Mariñio, e o colombiano Suindheim – apitou a partida, que teve a Seleção Brasileira formada por: Gylmar; Djalma Santos, Mauro, Zózimo e Nílton Santos; Zito e Didi; garrincha, Vavá, Amarildo e Zagallo. A Espanha alinhou: Arquistain; Rodriguez, Garcia, Vérges e Etchevarria; Perez e delardo; Collar, Puskas, Peiró e Gento. O chileno Ser5gio Bustamante apitou o jogo, assistido por 18.715 pagantes.
MANÉ E O CACHORRO PRETO - Em 10 de junho, numa tarde de domingo, Garrincha excedeu, nos 3 x 1 sobre os ingleses. Como a Seleção estava muito enrolada, a partir dos 31 minutos do primeiro tempo, ele resolveu acontecer, em Sausalito – o Brasil não saíra da sua sede, por ter sido o primeiro do se grupo, enquanto os britânicos foram os segundos no deles.
 O primeiro gol de Mané foi inacreditável. Durante uma cobrança de escanteio, ele saltou junto com o grandalhão Norman, que era 12 centímetros mais alto, e conseguiu cabecear a bola para a rede. Os ingleses empataram, aos 36 minutos, por intermédio de Hitchens, mas, por aquilo, pagaram caro. Aos 8 da etapa final, Didi se preparava para cobrar uma falta, pela direita, pertinho da grande área, quando o moleque Garrincha apareceu na sua frente e a cobrou. O goleiro Springett rebateu a bola para a frente, na cabeça de Vavá, que não o perdoou. Aos 14, Garrincha viu o camisa um inglês adiantado e chutou, quase da intermediária, por cobertura. Golão!
 Gol de cabeça, por cobertura, cobrança de falta. Normalmente, o Mané não fazia nada daquilo. De normal mesmo só ele dizer que não tinha medo do tal de “Fralda” , se referindo a Flowers, o lateral que iria marcá-lo e prometia sumir com ele. Naquele dia, o "indomável" Garrincha só não conseguiu "domar" um cachorrinho preto (foto) que invadiu o gramado, antecipando-se às diabruras que ele iria aprontar. Depois de driblar o “Demônio da Copa”, o cãozinho só foi capturado quando Jimmy Greaves ajoelhou-se à sua frente e os dois ficaram se namorando. Num bote rápido, o inglês fez o que Mané Garrincha não conseguira.
CONTRA OS DONOS DA CASA – Em 1950, na véspera da final da Copa, os atletas brasileiros foram submetidos a uma maratona de discursos cansativos; em 54, desconhecia-se o regulamento; em 58, fez-se um plano e a coisa funcionou – taça em casa. Mas não foi que, em 62, uma nova bagunça pintou?
  No dia 19 de maio, após o último treino, no Rio de Janeiro, os jogadores tiveram de ir se despedir do governador estadual, Carlos Lacerda, e, depois, visitar o embaixador chileno no Brasil, Ruiz Solar. No dia seguinte, pela manhã, viagem para Brasília. As despedidas, daquela vez, foram do presidente da república, João Goulart, que ofereceu um almoço a todo o grupo. Próxima escala: aeroporto da paulista Campinas, onde as despedidas foram, por telefone, do treinador Vicente Feola, proibido, por seu médico, de viajar.
  Após nove horas e meia de peregrinações, a Seleção Brasileira embarcou, do aeroporto de Viracopos, no mesmo avião da Panair que a levara, quatro anos antes, à Suécia. O piloto, também, era o mesmo, o capitão Guilherme Bungner, que deixara seu cavanhaque crescer, para ficar com a mesma cara do “vôo da vitória”. Em território chileno, o time hospedou-se na pousada El Retiro, em Quilpués, a Ciudad del Sol, em chalés, próximos de Viña del Mar. Com tantas despedidas e cansaço, no primeiro coletivo com bola, o time reserva perdeu, para o Wanderers, equipe local, por 1 x 0, em 45 minutos de jogo-treino.
 Ainda bem que o ensaio de bagunça ficou por ali. No último coletivo, em 27 de junho, os reservas mandaram 5 x 0 no Everton, outro time local, no segundo tempo, após os titulares já terem feito outros quatro gols, na etapa inicial. E vieram as vitórias sobre o México (2 x ), Espanha (2 x 1) e empate (0 x 0), com a Tcheco-Eslováquia, na primeira fase, além dos 3 x 1 sobre os ingleses, nas quartas-de-final. A parada, agora, era pesada, contra o Chile (foto), o dono da festa.
MANÉ EXPULSO – Com mais de 10 mil torcedores acima do que comportava o Estádio Nacional de Santiago – 65 mil pessoas –, o Brasil foi para as semifinais, contra os chilenos, em 13 de junho. O time havia saído, de Viña del Mar, de trem, e comido só sanduíche, para evitar supressas gástricas. Enfrentou, ainda, a péssima arbitragem do peruano Arturo Yamazaki.
  Dificuldades à parte, a Seleção mexeu no placar, com 9 minutos. Zagallo chutou, a bola bateu em Amarildo e em Vavá, sobrando para Garrincha que pegou, de canhota. Aquele era outra novidade, pois o “O Torto” nunca chutava de esquerda. Aos 32, Garrincha aprontou, de novo. Zagallo cobrou escanteio, e ele subiu no meio da zaga, para cabecear e marcar. Aos 42, o chileno Toro diminuiu, mas, aos 2 minutos da etapa final, Mané cobrou escanteio, Vavá cabeceou e o Brasil voltou à rede. Aos 32, Leonel Sanchez, cobrando pênalti, voltou a diminuiu. Aos 32, porém, Vavá fechou o placar, finalizando cruzamento de Zagallo.
  Aos 35, Yamazaki expulsou de campo o chileno Landa, por jogo violento e ofensas ao árbitro. Aos 38, mandou Mané para fora, acusado, pelo auxiliar uruguaio Esteban Marino, de agredir o lateral Rojas. No meio da confusão, quando saía de campo, levou uma pedrada, na cabeça, que teve de ser enfaixada.
 Os fatos que se seguiram geraram uma das maiores histórias do futebol brasileiro. No eu relatório sobre a partida, Arturo Yamazaki relatava não ter v isto o pontapé de Mané e Rojas. Falava da pressão dos chilenos e da “deduração” de Esteban Marino. Só que este jamais fora encontrado para depor no tribunal de justiça da Copa e, por falta de provas, absolveram Garrincha para jogar a final. Diz a lenda a CBD, auxiliada pelo árbitro paulista João Etzel Filho, teriam, no hotel onde Marino se hospedara, dado um jeito de ele ir embora do Chile, sem deixar vestígios.
Brasil que venceu o Chile: Gylmar: Djalma Santos, Mauro, Zózimo e Nílton Santos; Zito e Didi; Garrincha, Vvá, Amarildo e Zagallo. Os chilenos foram: Escutti; Eyzaguirre Rodriguez, Contreras e Rojas; Sanchez e Ramirez; Toro, Landa, Tobar e Leonel Sanchez. Público oficial de 76.594 pagantes.
BOLA NOSSA - Contra a Espanha, o árbitro chileno Sergio Bustamante estava longe do lance e não vira Nilton Santos fazer pênalti sobre Adelardo. Diante do Chile, no episódio envolvendo Mané Garrincha, o peruano Arturo Yamazaki colocou a responsabilidade da expulsão do “Torto” sobre o auxiliar uruguaio Esteban Marino, que desaparecera após o jogo. E a Seleção foi chegando. Em 17 de junho, o Brasil estava na final, contra a Tcheco-Eslováquia, com uma defesa carregando a média de 32 anos de idade – Nílton Santos estava com 37. Sem Pelé, que tinha o músculo adutor da perna esquerda lesionado, e com Garrincha ardendo a 38 graus de febre, os canarinhos sofreram um gol, aos 15 minutos, marcado por Masopust. Dois minutos depois, Amarildo, de 21 anos, o substituto de Pelé, empatou, e o primeiro tempo ficou por aquilo. Na etapa final, Zito (foto), aos 23, e Vavá, aos 32, garantiram o bi, com 3 x 1, em partida que o melhor goleiro daquele Mundial, Schoroiff, falhara em dois gols brasileiros. O que importava, no entanto, era que o Brasil conquistara o título bicampeão mundial de futebol, com taça entregue ao capitão Mauro Ramos de Oliveira, pelo presidente da FIFA, o inglês Stanley Rous.
O jogo do bi foi assistido por 73.856 pagantes e apitado soviético Nikolai Latichev. O Brasil bisou a taça com: Gylmar (foto): Djalma Santos, Mauro, Zózimo e Nilton Santos: Zito e Didi; Garrincha, Vavá, Amarildo e Zagallo. Os tchecos: Schroiff; Lala, Popluhar e Novak; Pluskal e Masopust; Pospichal, Scherer, Kadraba, Kvasnak e Jelinek.
 TODOS OS RESULTADOS: Uruguai 2 x 1 Colômbia; União Soviética 2 x 0 Iugoslávia; Iugoslávia 3 x 1 Uruguai; União Soviética x 4 Colômbia; União Soviética 2 x 1 Uruguai; Iugoslávia 5 x 0 Colômbia; Chile 3 x 1 Suíça; Itália 0 x 0 Alemanha; Chile 2 x 0 Itália; Alemanha 2 x 1 Suíça; Alemanha 2 x 0 Chile; Itália 3 x 0 Suíça; Brasil 2 x 0 México; Tcheco-Eslováquia 1 x 0 Espanha; Brasil 0 x 0 Tcheco-Eslováquia; Espanha 1 x 0 México; Brasil 2 x 1 Espanha; México 3 x 1 Tcheco-Eslováquia; Argentina 1 x 0 Bulgária; Hungria 2 x 1 Inglaterra; Inglaterra 3 x 1 Argentina; Hungria 6 x 1 Bulgária; Hungria 0 x 0 Argentina; Bulgária 0 x 0 Inglaterra; Chile 2 x 1 União Soviética; Iugoslávia 1 x 0 Alemanha; Brasil 3 x 1 Inglaterra; Tcheco-Eslováquia 1 x 0 Hungria; Brasil 4 x 2 Chile; Tcheco-Eslováquia 3 x 1 Iugoslávia; Chile 1 x 0 Iugoslávia e Brasil 3 x 1 Tcheco-Eslováquia. CLASSIFICAÇÃO FINAL – 1 – BRASIL; 2 –Tcheco-Eslováquia; 3 – Chile; 4 – Iugoslávia; 5 – União Soviética; 6 – Hungria; 7 – Alemanha; 8 – Inglaterra; 9 – Itália; 10 – Argentina; 11 – México; 12 – Espanha; 13 – Uruguai; 14 – Colômbia; 15 – Bulgária e 16 – Suíça.

Esta é uma seleção de respostas que alguns craques deram ao Jornal de Brasília, em 2009. Veja que continuam atuais.

Tem observado mudanças significativa no futebol?

 

Jairzinho - O treinador que não adere à atual filosofia defensiva de jogo é considerado ultrapassado. Joga-se para ganhar em bolas paradas. Depois que o Brasil foi tri, os europeus buscaram, taticamente, neutralizar a  ofensividade sul-americana, ferindo muito a estrutura da alegria do gol, fazendo surgir um futebol feio, que reduziu a qualidade atacante, principalmente a brasileira, que sempre foi a mais ofensiva do mundo. Até no Brasil joga-se no 4-5-1, no 5-3-2. Dificilmente, no 4-2-4 da minha época.

OBS: o português Eusébio foi convidado a opinar: "Não podemos comparar o futebol do meu tempo (década-1960) com o de hoje, que é mais comercial. A televisão manda nos clubes. Equipamentos, chuteiras, bolas, disciplina mudaram muito, mas, tecnicamente, era melhor, antes.  Hoje, mesmo com os sistemas de jogo defensivos, há gols. Mas todos os times, principalmente as seleções, são bem preparadas para evitá-los".
Dá prazer ir a um estádio, mesmo sabendo eu não vai encontrar craques?  

Jairzinho - Perdeu-se arte, ganhou-se disciplina tática, determinação física dentro de táticas horríveis, que terminam com a alegria dos gols. O Carlos Alberto Parreira ganhou a Copa-94 com sistema defensivo europeu, jogando no erro do adversário. Tanto que fomos campeões nos pênaltis.  Por isso não há mais "Furacões", com explosão física e capacidade técnica.

Você foi um jogador modernoa em seu tempo?
Jairzinho - Eu fui um jogador aeróbica e anaerobicamente bem aprimorado.  Fazia gols em piques de 20, 30 metros, aos 43, 44 minutos do segundo tempo. Jogando-se no 5-3-2 não se encontra um ponta-direita como eu fui. Usar o 5-4-1 interfere no aspecto ofensivo. Hoje, utiliza-se os alas com a tripla função de defender, organizar e fazer gols. Por isso não se encontra mais um Jairzinho "Furacão". 

Jairzinho, você fez uma homenagem marcante, durante a Copa-1970...
Sou católico e sempre fui muito cassado pelos adversários. Em 7 de setembro de 1966,  num Botafogo x Vasco, inaugurando os refletores do estádio de Ipatinga-MG, me quebraram o quarto e o quinto metatarsiano do pé esquerdo. Depois, tive uma refratura, Fui o primeiro  jogador a fazer enxerto ósseo, cobaia de mim mesmo. Até o meu médico  era pessimista sobre a minha recuperação. Mas Deus deu-me a chance de chegar a 70 para ser o que fui.  Depois de uma graça daquelas, porquê não agradecê-lo? Não me importou um jogador tcheco (Petras) fazê-lo, antes.  Só me fortaleceu o desejo de agradecer. Deus  me concedeu  três graças, em 70: ser tricampeão mundial, o Furacão da Copa e o único, até hoje, a marcar (7) gols em todos os jogos (Mundial). Já saí do Brasil com tal pensamento.

O esquema tático do Zagallo na Copa-70 foi o melhor que a Seleção Brasileira já teve?

 Jairzinho - O Zagallo teve a inteligência de montar um sistema com os melhores jogadores da época.  Mesmo sendo o armador, o Gerson era o 10 no São Paulo, um meia organizador ofensivo. Tivemos cinco camisas 10 no ataque. Eu, Pelé, Rivelino e Tostão, além do Gérson- nesse ponto, ele enganou-se, pois Tostão era 8 não Cruzeiro.

CARLOS ALBERTO TORRES


Broncas no "Rei". Capitão do tri foi dos poucos que tinha a coragem de encarar Pelé. Carlos Alberto Torres esteve em Brasília, em  2009, fazendo uma conferência para treinadores de futebol. Foi quando bateu um painho, descontraído, com o Jornal de Brasília. O "Capita" relembrou fatos de sua carreira e ensinou como ser um líder dentro de campo. Leia a reprodução do texto que fala muito da Seleção Brasileira.

JBr - Todos os treinadores consideram a parte física como o que mais se desenvolveu no futebol. Porque o restante não cresceu tanto?

R - A parte tática mudou. Não se joga mais com dois ponteiros, substituídos pelos alas, embora estes não tenham a mesma habilidade quando saem para o ataque. Nesse ponto, o futebol perdeu em brilho. O Ronaldinho Gaúcho, em suas grande atuações pelo Barcelona, joga quase como um ponta-esquerda. Se voltar a surgir um atacante com a habilidade do drible e seu treinador souber aproveitá-lo pelos flancos, achará o caminho mais curto para o gol.
Algum dia poderemos sonhar com um novo Mané Garrincha?
Dribladores como o Mané, não, até mesmo por falta de espaços, pois os marcadores chegam
junto. Poderemos ter atletas com o gen dos antigos pontas natos, orientados pelos treinadores a fazerem jogadas de linha de fundo.
Você foi o autêntico lateral-direito, nas décadas-60 e 70. Quais pontas-esquerdas lhe deram muito trabalho?
Quando eu era do Fluminense, o Abel, do América, e o Pepe, do Santos. No exterior, o Djacic, da então Iugoslávia, e o Rumennige, da Alemanha.
O medo de perder o cargo faz treinadores prejudicar a criatividade dos habilidosos?
O atual futebol reúne muitos interesses, levando o treinador aos esquemas cautelosos, pois ele tem que classificar seu time para várias competições, como Taça Libertadores, Copas Sul-Americana e do Brasil. Assim, ele se vê obrigado a jogar por resultados, tipo do empate é bom aqui e acolá. No meu tempo, se jogava para ganhar, só com um volante. Hoje, se usa três, quatro para proteger melhor a defensiva.

Em toda notícia sobre o jogo do dia  menciona-se o esquema tática. O  seu predileto?
Se tenho a posse de bola, devo ter a coragem de atacar. Se não a tenho, volto, jogo em bloco, me defendo. O centroavante não tem que ficar lá na frente batendo papo como goleiro. Deve voltar e fechar, também. Se abro setores, convido adversário a fazer o gol. Já ouvi muito volante dizer que não atacava por medo de perder a bola. Isso é mentalidade de time pequeno. Volante que sabe sair pro jogo com bola dominada é uma arma muito poderosa.
Os treinadores brasileiros ensaiam muitas jogadas?
Não, porque  grande habilidade, a criatividade e a improvisação ainda prevalecem entre
nós. Isso conta muito e decide a maioria dos nossos jogos. Nos cruzamentos aéreos, as zagas brasileiras marcam sempre a bola, esquecendo-se de quem possa surgir desmarcado.
 
De quem é a culpa pelo erro?

É questão de orientação do treinador. Há atleta que está em campo, mas não presta a atenção no jogo. Muitos gols saem de bolas paradas, porque não se treina contra a falta defensiva. Só com jogadas ensaiadas, em faltas ofensivas. Atenção,  marcação e  colocação
são as chaves contra a surpresa.
Você foi líder entre "cracaços". De quem herdou o gen?
Liderança não se passa de pai para filho. É  natural,  brota dentro de você. Desde juvenil, sempre fui desinibido, cobrador. As vezes, eu xingava, e sempre fui assim. No Santos, tive vários arranca-rabos com o Pelé, inclusive lhe mandando mostrar que era rei na bola.

Aquela sua pegada firme na canela do inglês Lee, na Copa de 70, foi ato de liderança?
Eles estavam batendo muito e o Lee havia atingido o Félix (goleiro), deslealmente. Falei pro Pelé pegá-lo, pois ele sabia bater sem o juiz ver. Só que o cara pintou na minha, e não esperei pela pegada do Pelé. A partir dali, o jogo mudou.
Quando a seleção viajou para o México havia a confiança no tri?
A preparação física, que evoluíra muito, era a nossa grande preocupação. Achávamos que,
se aliássemos um bom preparo físico com a habilidade dos nossos acraques, com o Pelé bem
condicionado, só não seríamos os campeões se não quiséssemos.
 Sofrer o primeiro gol, na estreia, contra a então Tchecoeslováquia, abalou a seleção?
Foi o que despertou o nosso time, que até então estava no chove-não-molha, excedendo-se
em toques de bola inúteis. Viramos o placar no primeiro tempo e o time ganhou a confiança
que faltava, ganhando bem na estreia: 4 x 1.


Qual foi o jogo mais difícil daquela Copa?

Brasil 1 x 0 Inglaterra. Pelo esquema de deslocamentos, sabíamos que o vencedor daquele
jogo estaria na final, pois o primeiro colocado do nosso grupo ficaria em Guadalajara,
praticamente ao nível do mar, até as semifinais. O segundo subiria de altitude, para
enfrentar a Alemanha.
Tem-se como descrever a emoção de ter erguido a taça do tri, como capitão do time do Pelé?
É difícil traduzir isso em palavras. Fiz parte de um grande time, marquei o quarto gol da
final ? 4 x 1 sobre a Itália ? e ergui o troféu mais cobiçado do mundo. Naquele momento,
vem tudo à sua cabeça: a família, os amigos, o País inteiro vibrando.
Saber que aquela taça foi roubada e derretida, não é mole, hem!
Para nós, que participamos da conquista, foi frustrante. Fizemos a nossa parte. Fomos lá e trouxemos a taça pro povo brasileiro, após um sacrifício de quatro meses de treinamentos e concentrações.
Quem lhe entregou a braçadeira de capitão?
Foi o técnico Aimoré Moreira, em 1968, numa excursão à Europa. Eu já era convocado desde
1964, substituindo Djalma Santos, e ser capitão do Santos pesou muito. Joguei 13 anos na seleção, até 1977, totalizando só 75 jogos, porque no meu tempo jogava-se menos.
O fim do passe, que prendia o atleta ao clube, foi uma bola dentro da Lei Pelé?
Temos um futebol com cultura diferente do europeu. São organizações distintas. Pela minha
visão, muito do que se aplica na Europa não emplaca entre nós. Lá, os clubes são empresas, aqui é sociedade desportiva. A Lei Pelé prevê o modelo europeu de administração dos clubes de futebol, mas, 16 anos depois nada aconteceu. Para mim, houve uma precipitação em relação à lei do passe.
 
A CBF estuda  impedir a saída do País de atletas menores de 18 anos. Bola na rede?
 
Tem aí o direito constitucional de ir e vir, mas os clubes formadores devem ser protegidos. No meu tempo de atleta, não havia marketing, direito de arena, essas coisas que rolam milhões em torno do futebol. Defendo o estudo de uma fórmula para segurar o atleta até os 20, 21 anos no País, exceto no caso de uma proposta excepcional de transferência.
 

Seu gol na final da Caoa-1970 foi em jogadas ensaiada?
 
 Zagallo previu o meu gol contra a Itália ? quarto dos 4 x 1 ?, analisando como eles atuavam, defensivamente, marcando homem a homem, acompanhando os nossos atacantes. Montou a jogada, usando slides, pois não tínhamos tempo de treinar.  Se houvesse uma movimentação de Jairzinho, Tostão ou Rivellino, pela esquerda, surgiria um buraco, pela direita, por onde eu penetraria. Deveríamos estar atentos.  No lance, quando a bola foi para o Rivellino, na ponta esquerda, quase em cima da linha divisória do gramado, vi que tava todo mundo pro outro lado. Pensei na orientação do Zagallo e subi. Se a bola fosse para o Pelé, fatalmente, chegaria até a mim. E foi o que aconteceu. Não foi jogada feita à orelhada.
 
A sua seleção brasileira de todos os tempos...
Goleiros, Gilmar, Tafarel e Marcos; laterais-direitos, Djalma Santos, nosso grande mestre, Jorginho e  Leandro; laterais-esquerdos, Nílton Santos, o mestre maior, Marinho Chagas, Júnior e Roberto Carlos; zagueiros, Mauro Ramos, Orlando Peçanha, Ricardo Rocha, Aldair, Ricardo Gomes e, se me permitem, o Alexandre Torres, meu filho, que jogou muita bola no Vasco; volantes, Zito, que já fazia tudo já naquele tempo, Clodoaldo e Dunga; meias-armadores, Didi, Gérson, Rivellino e Dirceu Lopes; pontas-direitos, Garrincha, Julinho Botelho, Joel Martins e Renato Gaúcho; centroavantes, Coutinho, excepcional, responsável por grande jogadas do Pelé, e Tostão, muito inteligente, com movimentação perfeita, abrindo caminho para quem vinha de trás. Saía pro jogo, sabia o momento certo de chegar na área para finalizar; pontas-esquerda, Pepe, Abel e Edu.
Se Pelé jogasse hoje faria os gols que fez?
Muito mais. No seu tempo, a preparação física não era evoluída como hoje, e ele tinha uma impulsão incrível, sem ser muito alto. Subia deixando o zagueiro no seu umbigo. Sua musculatura era natural, não teve os treinamentos específicos de velocidade e impulsão de hoje. Os gramados eram carecas, cheios de falhas. Hoje, são uns tapetes. Pelé fazia muitos gols devido a sua alta qualidade técnica, pois as bolas lhe chegavam pererecando naqueles

A imprensa atribuía não convocações do Alexandre Torres para a seleção ao fato de você ter integrado o grupo de ex-atletas que acionou a CBF a Justiça, devido o uso de  imagem em um álbum de figurinhas, sem consultas. Verdade?
O fato foi na época da CBD. Depois, com a CBF, o Ricardo reconheceu que a CBD errara e tinha que pagar. Alguns já receberam e outros esperam, há mais de 20 anos, pela decisão judicial. Eu nunca tive problemas com o Ricardo, inclusive já fiz alguns trabalhos solicitados por ele, representando a seleção. Também, quando surgiu o estatuto do torcedor, ele convidou-me para ser o primeiro ouvidor da CBF. O considero um grande administrador que a CBF é o que é devido a ele, se bem que foi o João Havelange o iniciador de tudo isso e o legou por ser seu genro, na época. Só critico o seu grande tempo à frente da CBF. Defendo um revezamento, pelo menos, de oito em oito anos, para não se perpetuar no poder.
Você gostou do estatuto do torcedor?
Alguma coisa deveria ser feita para melhora ro conforto do torcedor. Isso deveria ser uma principal preocupação dos clubes, pois a maioria dos nosso estádios não convidam o torcedor a sair de sua casa para ir a um jogo. Tanto que muitos são fechados devido suas deficiências.
Qual treinador mais lhe encantou?
Elba de Pádua Lima, o Tim, que tinha a facilidade de passar para os jogadores a sua grande visão de jogo. Nos intervalos, ele reunia a turma diante de uma mesa com um time de botões, desenhava as jogadas e, se nós as realizássemos, ganharíamos a partida. Mas o Zagallo também foi outro grande treinador que tive.
Pelé era mesmo um reclamão?
Ele sempre falou muito dentro do jogo, reclamava, porque queria tudo saindo perfeito. Havia quem tinha a coragem de rebatê-lo, como eu e o Zito, mas era tudo no bom sentido, pela vitória.
Você e Pelé se encontraram, depois no Cosmos, nos Estados Unidos...
Foi no último ano dele no time, em 1977. Somos os brasileiros a fazer parte do hall da fama, em Nova York, junto com Cruyff, Beckenbauer, Chinaglia, entre outros.
NILTON SANTOS
Nilton Santos  é considerado o melhor lateral-esquerdo da história do futebol brasileiro. Estas é uma entrevistsa que ele concedeu-me, para o "Jornal de Brasília", na qual relembra seus tempos de Seleção Brasileira. Ele só vestiu duas camisas: a do Botafogo, em 718 jogos e 11 gols, entre 1948 e 1964, e a da seleção brasileira, em 82 partidas e três tentos, de 1949 a 1962. Chamado de "Enciclopédia", por saber tudo de bola, Nílton relembrou, principalmente,  das proezas do compadre Mané Garrincha, um dos heróis de 1958.

JBr -  Dizem que o técnico Vicente Feola gritava, desesperado, para você voltar à defesa, quando atacava para marcar seu  gol contra a Áustria, na estréia brasileira da Copa de 58. Verdade?

R - Eu gostava de atacar, vi que o lance era bom praquilo e  o gol  foi um reflexo daquilo. Passei do meio do campo e tabelei com o Mazola para marcar. O Feola permitia que o Oreco (seu reserva, lateral-esquerdo do Corinthians) atacasse, mas me proibia de ultrapassar a linha divisória do gramado e me chamava de louco, maluco. Se gritou "volta, volta", como contam, eu não ouvi nada.  Só sei que ele vibrou com o gol.

Os russos eram temidos, antes do Mundial de 58, mas, com  duas entortadas, Garrincha destruiu o mito. A que você atribui a facilidade que o Mané tinha para driblar?

O compadre vivia me convidando para conhecer ?um Maracanã?, como falava, perto de sua  casa. Era um platô, um morrinho, onde ele tinha que driblar com exatidão para evitar que  a bola descesse pelo barranco. Creio que foi ali que   ele se aperfeiçoou. No Maracanã, driblava quando faltava meio metro para a linha de fundo. Fazia isso pelo lado direito, devido a força do hábito. Sentia-se que ele iria driblar pela direita.

Na Copa de 58, ninguém conteve o drible do Mané. Se era previsível, pela direita, porque ninguém o parava?

Observei que ele dava uma passada para trás e driblava quando o marcador tinha o pé esquerdo preso ao solo. Não se podia fazer nada, a não ser ganhar uma distensão. Nos treinos da seleção,  de ataque contra defesa, comecei a estudar uma  fórmula para roubar-lhe a bola. Imaginei ficar marchando junto com ele, no mesmo lugar, e, algumas vezes, consegui ganhar.

Ficou na sua, claro!

O que o brasileiro conhece sobre Garrincha é o que ficou marcado na Copa de 58. Não adiantava tomar medidas contra ele, pois o Mané era diferente em tudo. Enquanto  outros pontas fugiam da marcação, ele fazia questão de ir para cima, driblar. O que o vi fazendo nas excursões do Botafogo é difícil de acreditar.

Nos treinos da seleção, quando você conseguia roubava uma bola do Mané, tirava um sarro?

Nem dava tempo. Tinha que me livrar da bola, rápido, pois ele poderia recuperá-la, imediatamente. Mas foram poucas as vezes que lhe ganhei a bola.

A história do campeonato mixuruca, que não tinha nem returno, é lenda?

O Garrincha, realmente, achou a Copa do Mundo de 1958  muito simples, por ter só seis jogos. Esperava que fosse como o Campeonato Carioca, com turno e returno. No meio da volta olímpica, naquela euforia toda, ele me perguntou: "Compadre, já acabou?"

Ele não sabia mesmo contra quem estava jogando?

Para o Garrincha, tudo se ligava a um fato de sua vivência. Seleção com camisa branca, lembrava-lhe o São Cristóvão (time da elite do futebol carioca até a década-60). Se entrasse no melhor hotel do mundo, só se lembrava daquele no qual o Zezé Moreira (técnico do Botafogo, na época) escorregou  no corredor. Era assim.

Por falar em Zezé Moreira, qual é a versão correta do drible da Coca-Cola?

Em 1964, creio, excursionamos (pelo Botafogo) à Europa. Como só perdemos um em 18 jogos, ganhamos 14 dias de descanso em um navio, voltando para casa. Como a cuba libre era a bebida da moda, o compadre misturava Coca-Cola com rum e tirava o limão. Para o Zezé, o Garrincha se encharcava com o refrigerante.

 E o rádio que não falava brasileiro...

Aconteceu, sim, mas não na Copa de 58. Foi durante uma excursão do Botafogo. Na Alemanha,  o Hélio (ponta-esquerda) comprou um rádio, e o Mané perguntou-lhe se a família dele entendia aquela língua enrolada. Com resposta negativa, disse que seria preciso trocar as válvulas, no Brasil.

Dá pra imaginar coisa pior?

Certa vez, o compadre levou pra casa um fogão com marcador de temperatura, finíssimo, na época. Ele usava o forno para secar sapatos molhados.

Quando você e o Garrincha se tornaram compadres?

Depois da Copa de 58, todos queriam ir a Pau Grande conhecer a história dele. Como eu era uma espécie de seu supervisor  na seleção, embora já fôssemos grandes amigos no Botafogo, ele intimou-me a batizar a sua sexta filha, a Maria Cecília. Ficamos íntimos porque eu entendia a sua pureza e achava que deveria orientá-lo sobre o que ele não tomava conhecimento. Alguém deveria fazê-lo sentir-se seguro de uma amizade sem interesse.  Foi por gratidão às minhas orientações que ele me convidou para ser seu compadre.

Contam que, se dependesse dos testes psicológicos do professor Carvalhaes, o Mané estaria fora da Copa de 58...

Como ele não conhecia o compadre, fui na frente, fazer os testes, para dar-lhe as dicas, pois achava que o Mané deveria ser titular na seleção.  Eu tentava fazer a cabeça do professor, falando sobre a pureza do amigo, mas ele me olhava com uma cara! Enfim, depois que ganhamos a Copa,  vendo o Garrincha comemorando, na volta olímpica, o Carvalhaes gritou pra mim: "Nilton, ele é aquilo, e muito mais?"

O que foi real no teste psicológico do Garrincha, na seleção?

O Carvalhaes mandava desenhar um boneco e dar-lhe vida.  Eu fiz um bêbado, um vagabundo, com passadas largas, escrito bar na camisola que o vesti. Sugeri ao compadre fazer algo ligado a caçadas, que ele gostava tanto, um bicho qualquer. Ele concordava com tudo o que eu lhe falava, mas desenhou um boneco cabeçudo, dizendo que era o Quarentinha (centroavante do Botafogo). Quando terminou o teste, vi o Carvalhaes balançando o papel  nas mãos. Fui em cima, e ouvi: "Não tem condições. Ele faz tudo ao contrário". Então, joguei duro, dizendo-lhe que se disputava uma Copa do Mundo jogando bola, e o Mané só sabia fazer aquilo.

Foi a maluquice do Garrincha que o deixou na reserva de Joel  (do Flamengo), no início da Copa de 58?

A comissão técnica achava mais importante ter o Joel voltando para ajudar a defesa. Então, aumentei a pressão, argumentando que, se tínhamos o Garrincha para desmontar defesas, não fazia sentido barrá-lo, para nos defender. Deixei claro que seleção covarde não ganhava Copa do Mundo. Começamos a faturar o Mundial de 58 quando o compadre entrou, contra a (então) União Soviética  Brasil 2 x 0, com dois gols de Vavá, em duas jogadas de Garrincha.

Garrincha engravidou uma sueca durante a Copa de 58...

Dois anos depois do Mundial, excursionávamos (pelo Botafogo) pela Europa e passamos pela Suécia. Então, um policial apareceu nosso hotel, procurando por Manoel dos Santos, para comprovação de paternidade. Ficamos todos preocupados, menos ele, que concordou com  tudo. Com ele não tinha mistérios.

Seu compadre era capaz de usar um lençol para descer pela janela e escapar do hotel em busca de um rabo de saia?

Se bobeassem e o andar não fosse muito alto, seria capaz, sim. Era coisa de louco. Na cidade em que chegássemos, a primeira coisa que ele perguntava era onde era a casa da maroca (meretrícios). Numa ida do Botafogo ao Triângulo Mineiro, o Zezé Moreira sentiu a falta dele, durante a distribuição dos quartos, e ficou irado quando soube do seu destino. Pegou um taxi e foi atrás. Me contaram que, ao vê-lo,  o compadre gritou: "Ô seu Zezé, o senhor também gosta, né!"

A Dona Nair (primeira mulher de Garrincha) não tinha como combater a ingenuidade do seu compadre?

A minha comadre era uma santa, tão inocente quanto o compadre. A sua única preocupação era que o Garrincha não fosse para a concentração usando paletó e gravata, por achar que, vestido assim, ele i ria para os bailes do Rio de Janeiro.

A Elza Soares foi importante na vidas do Mané?

Sim. Fez o possível para recuperá-lo, quando ele já era totalmente alcoólatra. Inclusive, mudou-se para o Jardim Botânico, para entusiasmá-lo com passarinhos. Como não adiantou, comprou casa com quintal murado, em Jacarepaguá. Foi pior, pois o compadre enterrava garrafas de cachaça, e bebia, escondido dela. Enquanto a Elza trabalhava à noite, ele se embriagava. Ela fez o que pôde.

Além de você, o Garrincha tinha amigos?

Tinha grande amizade por dois rapazes, Pincel e Suinque. Certe vez, ele carregou-me  para sua casa, em Pau Grande, e  deixou-me horrorizado com a buraqueira num sofá. Sorrindo, ele disse-me: "Isso aí foi o Pincel. Tomou um porre, adormeceu, fez xixi no sofá, o local apodreceu e deu nisso".  Contava e sorria com a maior criancice.

Como começou o relacionamento entre vocês?

Exatamente, quando ele treinou, pela primeira vez, no Botafogo. Passou por mim, como um raio. Virei o pescoço e só pude ter uma expressão: porra! Foi ótimo, pois eu andava muito badalado, e, se ele fizera comigo, realmente, era muito bom. Santo drible, pois o Garrincha ficou no ficou no meu time.

Até onde vai a verdade sobre caçadas de passarinhos do seu compadre, em Pau Grande?

Quando os times amadores iam jogar por lá, ele avisava à turma que estaria em cima do morro, caçando. E avisava: ?A depender do resultado do primeiro tempo, vocês vão lá me chamar?. E iam mesmo e ele virava o placar. Ele jogava como se estivesse caçando passarinhos. Mas não me enganava, não. Virava a partida porque um irmão dele era o goleiro do seu time, e frangava sempre. Malandro!

Qual de vocês dois procurou se aproximar mais um do outro?

A nossa amizade surgiu naturalmente. Eu o via como uma figura extraterrestre, diferente. Pra se ter uma idéia, em sua estréia no Botafogo, o Garrincha entrou em campo como se estivesse indo ali na esquina. Houve um pênalti, ele apanhou a bola e foi lá bater, como se estivesse em suas peladas em Pau Grande. Para ele, tudo era a mesma coisa.

A Copa do Mundo de 1958 transformou Garrincha em " Demônio das Pernas Tortas", "A Alegria do Povo".  Em 50 jogos (12 gols) pela Seleção Brasileira, não apareceu nenhum marcador qualificado que o incomodasse?

O único marcador que o Garrincha tinha pavor era o Jorge, do Vasco. Diante daquele, evitava a aproximação, porque o sujeito era muito espalhafatoso, jogava balançando os braços, batendo na cara do adversário. Como os árbitro deixavam, ele fugia. Não era bobo, não!
 
 



 

 

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